O neurocientista Francisco Varela comparou a nossa identidade a um tornado. “Nós e os tornados descobrimos uma peculiar maneira de ser na natureza que consiste numa combinação de ser e não-ser”, disse.
É entre o ser e o não ser que se originam todos os tornados em nós. Sempre que escolhemos não ser, somos como um tornado. Por isso, psicologicamente falando, a vontade de se suicidar pode ser considerada normal. Porém, torna-se um distúrbio se for causada por um motivo que não pertence ao nosso presente. Por exemplo, “eu quero suicidar-me porque não fui seleccionado para um emprego”. No fundo, a vontade de suicídio já existia e o emprego foi o pretexto.
Devemos lembrar que os nossos pensamentos somos nós, mas nós não somos os nossos pensamentos. Que as acções são nossas, mas nós não somos só as nossas acções. “O pensamento e a vontade são para os espíritos o que a mão é para o Homem” (Kardec, in Revista Espírita, 1868). O pensamento manifesta-se na aura humana como os relâmpagos numa tempestade; basta que o espírito pense fixamente em algo para que a criação mental se forme no seu campo magnético. Essa criação é fortalecida pelas emoções e sentimentos associados a esse pensamento. As emoções alimentam o pensamento que ganhará uma forma cada vez mais sólida até que uma acção magnética interior ou exterior (como a prece, o passe ou pensamentos opostos que anulem os pensamentos nocivos), contrarie essa tendência.
Mas como observar o tornado quando estamos dentro dele? Como observar os nossos pensamentos e reconhecer a sua origem? Há 2 coisas que podemos fazer:
1) Disciplina (esforço sobre si mesmo): Parar e regressar àquela que deve ser a nossa rotina diária de nos sentarmos em silêncio e simplesmente reconectarmo-nos connosco e com a inspiração de Jesus, focando o nosso pensamento nele. Este gesto tão simples de fazer silêncio em nós é o primeiro passo para o tornado começar a perder força. Sentimentos negativos como o cansaço espiritual, culpa, frustrações, ansiedades, solidão também resultam de falhas nas nossas disciplinas e práticas. Essas práticas podem incluir uma leitura construtiva, ir ao Centro espírita, meditar, estar em contacto com a natureza, pedir ajuda ao nosso mentor espiritual, etc.
2) Reconhecimento e aceitação: Tal como Pedro que renegou Jesus por três vezes, também todos nós alternamos a sintonia entre os propósitos nobres da existência (espirituais) e os mundanos. Lentamente, Pedro aprendeu a conciliar os opostos na sua intimidade e a amar a sua sombra, reconhecendo-se luz. Converteu a sua alma de tal forma vigorosa que até mesmo a sua sombra curava enfermos e obsediados (Actos 5, 14:16). Pedro tornou-se o exemplo vivo do amor de Jesus, pois acolheu em si mesmo a aceitação dos seus limites pessoais, dos seus conflitos e das suas dores, mas sem se deixar vencer ou anular-se por eles. Pelo contrário, ele utilizava as suas fraquezas para construir a sua força. Pedro soube erguer-se da frustração de não ser ainda o que desejava sem se deixar dominar pela negação de si mesmo. Pedro foi divino porque foi humano, porque se aceitou; sedimentou a sua fé nos altos e baixos do quotidiano. Venceu-se a si mesmo na luta diária de auto-superação e aceitação. Hoje podemos estar a caminhar sobre as águas ou a afundar-nos, podemos estar paralisados pelos sofrimentos físicos e mentais, mas para que haja plenitude não podemos esquecer que, tal como Pedro, também somos pedra sobre a qual Jesus erguerá a sua igreja (do amor universal).
Filipa Ribeiro